Palavras-chave: Cabelo; Fotografia; Diagrama; Missões Antropológicas; Angola; Moçambique
Participação: presencial
Na presente comunicação abordar-se-á o modo como a questão do cabelo é visualmente construída e visualizada no contexto da Missão Antropológica de Moçambique (1936-1956) – constituída por seis campanhas de trabalho chefiadas por Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior – e da Missão Antropobiológica de Angola (1948-1955) – composta por quatro campanhas chefiadas por António de Almeida. Após se proceder, num primeiro momento, a uma esquemática introdução, visando-se situar a problemática enunciada – far-se-á um breve apontamento acerca do programa e quadro conceptual da antropologia da «Escola do Porto» – estudaremos dois aspectos distintos, mas que consideramos ser complementares: 1) o modo como a operatividade gráfica da fotografia e de uma diagramática constituem o cabelo enquanto atributo antropobiológico, tendo-se aqui como ponto de partida algumas reflexões da autoria de Santos Júnior – em particular o texto Table for the general shape of the negroes’ hair (1959); 2) a forma como o olhar colonial – fotográfico e diagramático – se relaciona com o cabelo no seu devir prática ou artefacto cultural, a saber, no seu devir penteado. Se o primeiro aspecto nos remete para um jogo do intermedial, lógica que constitui a tipicidade necessária à representação do sujeito fotografado, à elaboração de uma tipologia do cabelo, o segundo assinala, como teremos a oportunidade de mostrar, uma certa resistência do cabelo, a qual se actualiza em função da «opacidade» – tomando de empréstimo o conceito de Édouard Glissant (1990) – dos penteados à fotografia colonial.
Em suma, demonstrar-se-á o modo como a questão do cabelo se constitui simultaneamente como objecto/produto do esquematismo da razão colonial e como constituinte de um ethos do sujeito. Evidenciar-se-á também a forma como, se por um lado a radical temporalidade da própria fotografia já actualizaria até nos mais densos documentos coloniais determinadas fracturas, aberturas que se constituem para além dos parerga coloniais – o que Elizabeth Edwards (2001) consideraria ser a «energia semiótica» da fotografia –, o penteado, enquanto prática situada e tradicionalmente enraizada, reforça esta possibilidade de uma polissemia ou multiplicidade de significados, permitindo aos sujeitos fotografados afirmar-se numa indelével densidade fenomenológica – densidade, como veremos, que não só oferece resistência a uma razão esquematizadora, mas também a qualquer estética do primitivismo ou, de forma mais geral, a qualquer etnocentrismo. Em correspondência com o penteado, a fotografia devém lugar de encontro, carregando consigo a marca da intersubjectividade. Tendo assim como fio de Ariadne a representação – sobretudo fotográfica, mas também diagramática – do cabelo no contexto das referidas missões antropológicas, o presente empreendimento reflexivo procurará fornecer um contributo para uma problemática que, a nosso entender, tem vindo a ser relativamente desconsiderada – com efeito, a questão do cabelo é frequentemente relegada para segundo plano no contexto mais amplo de discursos que se constituem em torno do corpo e da corporeidade.
Barthes, R. (1964). Rhétorique de l’image. In Communications 40-51
Cheang, S. (2008). Roots: hair and race. Hair: Styling, culture
and fashion, 27-42. Edwards, E. (2001). Raw histories:
photographs, anthropology and museums. Routledge Glissant, E.
(1990). Poétique de la Relation. Éditions Gallimard
Santos Júnior, J. R. (1959). Table for the general shape of
the negroes’ hair.
Philipp Teuchmann é doutorando em Ciências da Comunicação – Especialidade em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias – na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Concluiu em 2021 o mestrado na mesma área e instituição com uma dissertação intitulada Da Operatividade Gráfica: o Diagramático em Três Exemplos da Arte Contemporânea, na qual se procura pensar a figuração do diagrama no contexto de diversas práticas artísticas contemporâneas. Integra no momento dois projectos: o African-European Narratives e o Photo- Impulse. Em ambos os projectos debruça-se sobre o lugar que determinadas configurações gráficas – em particular a ordem do diagramático e do fotográfico – ocupam no quadro de uma epistemologia colonial. As suas áreas de interesse situam-se na teoria e estética dos media, semiótica, arte contemporânea e estudos culturais.