Palavras-chave: Pós-memória; Docuficção; Arquivo colonial
Participação: presencial
Entendendo a imagem como ferramenta essencial na construção e legitimação da narrativa histórica, o ensaio fílmico que se apresenta propõe a recuperação de micronarrativas de diferentes gerações, para entender a sua ligação ao passado colonial português. Na sequência de uma guerra em que aproximadamente oitocentos mil homens portugueses e quinhentos mil africanos (guineenses, moçambicanos e angolanos) foram obrigados a combater, é ainda possível sentir as repercussões desse trauma, representado pelo silêncio e a persistência da narrativa imperialista na esfera pública e social. Imagens e objetos coloniais continuam nas prateleiras das casas portuguesas, à vista ou escondidas em álbuns fotográficos ou filmes caseiros.
No ensaio fílmico proposto, ensaia-se a apropriação ideológica do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, bem como a propaganda responsável pela manutenção da “política do espírito” do Estado Novo, resultante numa identidade nacional saudosista e imperialista, de um país que escolhe romantizar a miscigenação e “os descobrimentos”, esquecendo o papel que exerceu na história do tráfico escravocrata.
A investigação parte de arquivos pessoais, transferidos intergeracionalmente, materializando- se num ensaio audiovisual que procura discutir criticamente, através de técnicas de animação e docuficção, a relação entre a memória e a narrativa colonial portuguesa, em especial a responsabilidade e capacidade da geração pós-memória (Hirsch, 2012) em questionar estas narrativas.
Através da recolha de testemunhos orais, cartas, postais e fotografias, bem como de imagens de objetos coloniais que acompanharam a migração de milhares de portugueses das ex- colónias, o ensaio fílmico reúne a memória e história dos meus avós maternos, ex-colonos e retornados de Quelimane, Moçambique e do meu avô paterno, ex-combatente da Guerra Colonial em Angola. A utilização destes testemunhos permite pensar a complexidade do seu processo, continuidade e ruptura, “sendo o arquivo familiar um meio de memória e perda” (Hirsch 2012).
O ensaio fílmico funciona assim como meio de resistência e aproximação a narrativas individuais e singulares, muitas vezes ignoradas, em detrimento de narrativas generalizadas e incompletas. Relembrar através do arquivo é uma forma de contra-história que permite entender de modo mais amplo os mecanismos e estruturas de poder opressivo e a efabulação colonial, impedindo o esquecimento e o silenciamento de narrativas alternativas.
Cardina, M. (2016). "Memórias amnésicas? Nação, discurso político
e representações do passado colonial." Configurações 17: 31-42.
Hirsch, M. (2012). The Generation of Postmemory: writing and
visual culture after the Holocaust. New York, Columbia University
Press.
Martins, B. S. (2014). Imperial Memory: The Home of Silences in
Portuguese Colonial War. African Dynamics in a Multipolar World.
ISCTE-IUL. Lisbon.
Peralta, E. (2019). "A integração dos “retornados” na sociedade
portuguesa: identidade, desidentificação e ocultação." Análise
Social LIV(231): 310-337.
Trouillot (1995). Silencing the Past: Power and the Production of
History. Boston, Massachusetts, Beacon Press Books.
Inês Costa
é bolseira do ID+ e FCT no mestrado de Design de Imagem,
licenciada em Design de Comunicação pela FBAUP. Vencedora do
prémio de aquisição da FBAUP (2020) e do prémio de Melhor Filme
Local no festival Vista Curta (2021). O seu trabalho de animação e
vídeo fez parte da seleção oficial de festivais como Curtas Vila
do Conde, Vista Curta, Entre Olhares e Porto/Post/Doc em 2021.
Susana Lourenço Marques. É Professora Auxiliar na
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. É doutorada em
Comunicação e Arte na Faculdade Ciências Sociais e Humanas.
Universidade Nova de Lisboa. Realizou o programa Recherches
Doctorales Libres (2010/2011) na École des Hautes Études en
Sciences Sociales (Paris). Investigadora integrada do
I2ADS/Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. É autora
dos livros Ether/um laboratório de Fotografia e História (Dafne,
2018), Pó, cinza, nevoeiro - um ensaio sobre a ausência (2018),
Lições de Hospitalidade (2006) e co-editou Pedagogy of the
streets, Porto 1977 (2018) e Ag, reflexões periódicas sobre
fotografia (2009). Foi igualmente responsável pela curadoria de
exposições de fotografia, como: Plano Geral, Grande Plano (Casa da
Memória, 2013), Quem te ensinou? Ninguém, de Elvira Leite,
Pavilhão de Exposições, FBA.UP (2016), Galeria Portátil PLF, Porto
(2018) e Pedagogy of the streets, Porto 1977, Mishkin Gallery, NY
(2019). Co-fundou em 2014 a editora Pierrot le Fou.