Musealizar o multiculturalismo no Museu Nacional de Etnologia (Lisboa): experiências e reflexões sobre uma educação reparadora

Lorena Sancho Querol


Palavras-chave: Colonialismo; Multiculturalidade; Exotismo; Museologia reparadora;Responsabilidade cultural

Participação: presencial

As políticas da promoção da diversidade cultural que surgem a partir dos finais dos anos 1990, tomando como ponto de partida o trabalho da UNESCO, despertam um forte interesse sobre a natureza multicultural das sociedades ocidentais, assim como uma preocupação relacionada com a sua gestão equitativa. Os museus, desde sempre ligados ao conhecimento, reconhecimento e consolidação de identidades, passam a ser vistos a partir de aí como ferramentas de incentivo à sua aceitação. No entanto, o crescente multiculturalismo que caracteriza as nossas sociedades é, com frequência, musealizado de forma eurocentrada, adquirindo um carater lúdico e tendencialmente discriminatório que tem o foco na celebração e na legitimação de discursos que ilustram um racismo implícito.

No caso português, à multiculturalidade proporcionada pelas sucessivas vagas de imigração, acresce a dos retornados após a Revolução do 25 de Abril. Com uma forte conotação pejorativa, a designação abrangia não somente os portugueses idos habitar as ex-colónias, como os que nunca tinham estado na então metrópole. A ocultação do lado violento e racista do colonialismo português, em tudo idêntico ao dos seus congéneres europeus, conecta-nos com uma história envolta em exotismos, luso-tropicalismos (entendidos como a capacidade de adaptação dos portugueses aos trópicos e manifestando-se sobretudo através da miscigenação), e consequentes “mestiçagens inclusivas”.

Mais conhecida como descolonização epistémica, desintoxicação museológica (Museum Detox, segundo Wayne Modest), museologia transparente ou reparadora, entre outras, são hoje diversas as práticas decoloniais que, nos museus, e sob um olhar crítico, representam as culturas com integridade, tomando como ponto de partida um exercício permanente de autocrítica museológica sobre o tipo, a forma e o uso dos objetos, das narrativas a eles associadas e do vocabulário.

Perante esta realidade, no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, uma revisão profunda do seu projeto, missão e exposição tornam-se urgentes. À espera de condições favoráveis que permitam a realização desta revisão, em 2016 o Serviço Educativo (SE) do museu optou por assumir o compromisso de praticar uma museologia reparadora, capaz de contribuir para a desconstrução de estereótipos, imagens e discursos relativos ao passado no presente, utilizando para isso diferentes ferramentas que permitem co-construir os significados e valores das realidades expostas.

Neste contexto surgiu o Programa Educativo “Diálogos na Diversidade” (2018-2020) que, refletindo no papel social do Museu e na relevância das suas coleções, visou contribuir para o combate aos estereótipos de base étnico-racial e à promoção do princípio da igual dignidade entre as culturas.

Desde então, o SE guiasse segundo uma ética da responsabilidade histórica, social e cultural, que assume a inexistência de uma “história única” para cada um dos objetos, apresentando uma visão crítica do discurso museológico que, pela omissão, banaliza a visão colonial do mundo. Para mostrar como funciona esta “museologia reparadora" escolhemos um dos muitos objetos até agora silenciados pelo discurso do museu: o cesto confecionado pelo Imperador Nguni, de nome Ngungunhane.

Coleções como as deste museu constituem uma oportunidade única para conhecer uma história desumana, permitindo-nos ativar praticas reparadoras de natureza crítica no campo das temporalidades, das materialidades e da dignidade humana.


Referências


WALSH, Catherine (ed.) (2013). PEDAGOGÍAS DECOLONIALES. Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. TOMO I. Serie Pensamiento decolonial. Quito, Equador: Ediciones Abya-Yala.
ARAÚJO, Marta (2018). As narrativas da indústria da interculturalidade (1991-2016): Desafios para a educação e as lutas anti-racistas. Investigar em Educação, II a Série, No 7, p. 9-35.
DA MILANO, Cristina (2014). Museums as agents of social inclusion. ECCOM – European Centre for Cultural Organisation and Management.
FREIRE, Paulo (1980). La educación como práctica de libertad. Madrid: Siglo XXI Editores.
GIANOLLA, Cristiano; RAGGI, Giuseppina; SANCHO QUEROL, Lorena (2021). “Decolonising the narrative of Portuguese empire through life stories related to the African presence in Lisbon”. In: KNUDSEN, Britta Timm; OLDFIELD, John R.; BUETTNER,
Elizabeth; ZABYNUAN, Elvan (org.), Echoes of coloniality: New perspectives on Decolonizing European Heritage. New York: Routledge, p. 83-103.


Bio


Lorena Sancho Querol é ativista e investigadora em Museologia Social no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra (CES-UC). Doutora em Museologia no âmbito do projeto “Celebration of Coastal Culture” (PT0019/EEA-GRANTS, 2007-09) e Pos-Doutora em Gestão Participativa em Museus (BPD-FCT, 2014-19). Entre os seus ultimos projetos destacam-se: SoMus,“A Sociedade no Museu”, onde a identificação, análise e sistematização de práticas inovadoras de participação cultural em museus europeus permitiu criar 4 modelos de gestão museal participativa; CREATOUR, “Creative Tourism Destination Development in Small Cities and Rural Areas”, (P-2020, 2016- 21) na qualidade de membro da coordenação para desenvolver a primeira rede nacional de projectos de turismo criativo; ECHOES, “European Colonial Heritage Modalities in Entangled Cities”, (H-2020, 2018-21) onde coordenou a equipa do CES (WP4) sobre cidades e museus entrelaçados pela historia colonial. Atualmente integra a coordenação do “IN SITU: Place- based innovation of cultural and creative industries in non-urban areas” (H-2020, 2022-26). URL: https://www.ces.uc.pt/pt/ces/pessoas/investigadoras-es/lorena-sancho-querol


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