MapaHistória: perdas, faltas e ausências de um itinerário algodoeiro no Vale do Ave

Ludgero Almeida


Palavras-chave: História; Memória; Arquivo; Algodão; Vale do Ave

Participação: presencial

Esta apresentação é uma reflexão que deriva do filme ‘MapaHistória’ (2022) produzido no âmbito da minha investigação doutoral em Artes Plásticas. A pesquisa centra-se nas reverberações da prática artística diante dos arquivos institucionais e privados e de imagens e objetos-vestígios encontrados no Vale do Ave relacionados à história, ao imaginário e à memória do itinerário do algodão e da indústria têxtil algodoeira neste território.

A partir de uma reflexão sobre diversos mapas do Vale do Ave constrói-se a ideia do MapaHistória, um conceito que problematiza algumas das afinidades entre os princípios governativos e administrativos aplicados na interpretação do espaço – de um território – e os gestos seletores e organizacionais usados na leitura do tempo – de uma realidade histórica. Enquanto o mapa elege, situa e elenca determinados locais usando de um olho aéreo, totalizador e abstrato que se utiliza de linhas, pontos e manchas para inscrever os seus enunciados, a história escolhe os eventos que considera fundantes e originários, localiza-os temporalmente, atribuindo-lhes coerências através dos processos e das suas gramáticas próprias.

É através deste conceito que se esboça um entendimento de como as instituições – neste caso os arquivos institucionais –, os monumentos – as esculturas, os bustos, os memoriais – espargidos pelo território do Vale do Ave, exercem uma função definidora dos limites do discurso, do que deve ser tangível e inteligível, dito e revelado. A história unidireccional da indústria têxtil algodoeira nesta região, assente nos ideais desenvolvimentistas e de progresso e nos paradigmas da modernidade/colonialidade, impuseram e impõem um imaginário que sobrevive e reverbera no presente ofuscando identidades múltiplas, recusando a existência de ‘outros’ e de um campo de possibilidades emergenciais.

As caminhadas, o respigo de imagens, documentos e objetos e o processo crítico de fabulação ativado na execução do filme aqui abordado vem questionar as narrativas e discursos monolíticos prevalecentes nos modos como a história se constrói e instituí nos espaços de enunciação pública, formando as identidades regionais e nacionais e os imaginários sociais e coletivos. Problematiza-se assim as ausências e os negativos produzidos por uma história monumental como espaços aporéticos mas ao mesmo tempo produtivos e agenciadores de outras narrativas potenciais acerca do passado, do presente e do futuro.


Referências


Assmann, Aleida (2021). Espaços da recordação: Formas e transformações da memória cultural. São Paulo: Editora Unicamp.
Azoulay, Ariella (2019). Potencial History: Unlearning imperialism. London: Verso Books. Hartman, Saidiya (2020). Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, 23(3), 12–33.
Solnit, Rebecca (2014). Wanderlust: A history of walking. London: Granta Books.
Stoler, Ann Laura (2009). Along the Archival Grain: Epistemic anxieties and colonial common sense. Princeton University Press.


Bio


Ludgero Almeida (Santo Tirso, Portugal, 1989). É artista plástico. Bolseiro de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia e investigador integrado não doutorado no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, mestre em Ensino de Artes Visuais no 3o ciclo de Ensino Básico e Secundário na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e licenciado em Artes Plásticas no Ramo de Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (PT). Expõe regularmente desde 2009, destacando-se o trabalho desenvolvido no Brasil desde 2015 e que deu origem à exposição itinerante 'Ciência de uma terra desolada' apresentada em 2016 no Silo Espaço Cultural no Porto (PT) e em 2017 na Galeria do Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia (BR) e na Galeria Alcindo Moreira Filho no Instituto de Artes da UNESP em São Paulo (BR). Também importantes foram as exposições individuais 'Antípodas, o absurdo na memória' em 2013 na Galeria Gomes Alves, Guimarães (PT), em 2014 'O dióxido de carbono e a lâmpada estroboscópica' e em 2015 'O esquecimento de Deus' ambas no Silo Espaço Cultural no Porto (PT), a exposição 'Do sintoma indelével' em 2018 no Centro Para os Assuntos de Arte e Arquitectura em Guimarães (PT) e a exposição ‘Da Imagem Ausente’ em 2022 na Rampa, no Porto (PT). Ludgero Almeida elabora obras que atuam a partir do estudo das realidades históricas e da memória. Apoiando-se em arquivos, registros e fotografias, em memórias históricas ou afetivas, pretende pensar, criticar, atualizar e ver em perspetiva a contemporaneidade, gerando camadas do sensível e complexificando a relação entre o real e o fictício.


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