Remote Sensing: Imagens da Luz e da Escuridão e a Idéia de Desenvolvimento.

Tomás Ribas


Palavras-chave: Luz; Escuridão; Remote Sensing; Capitalismo; Antropoceno

Participação: presencial

No início de O Coração das Trevas (1902), de Joseph Conrad, o personagem Marlow, observando o brilho da cidade de Londres ao longe a partir de um barco ancorado no estuário do Tamisa inicia a sua história com uma frase que parece enigmática para os seus companheiros: “This, also, has been one of the dark places on the earth.”. Em uma tradução portuguesa do mesmo trecho (1999), dark é traduzido como selvagem: “E tudo isto aqui - disse Marlow, de repente - foi um dos lugares selvagens do mundo”. Essa escolha tão discrepante de palavras não é exatamente um erro de tradução mas uma interpretação da intenção das palavras de Marlow. Essa escolha se apoia não só no relato que se desenrolará da viagem de barco do Inglês pelo rio Congo, sob domínio do Rei Leopoldo II da Bélgica, onde se embrenha nas “trevas” do “continente negro” como na longa tradição ocidental de criar forte dualidade entre luz e escuridão. A Luz e o branco são geralmente vistos como “positividades”, como civilização, progresso, verdade, transparência e a escuridão e o negro como “negatividades” com selvageria, perigo, falsidade, atraso e opacidade.

Esse artigo pretende investigar a relação entre luz e escuridão através de uma prática artística que utiliza imagens da luz artificial produzidas pelo programa DMSP-OLS (Defense Meteorological Satellite Program/Operational Line-Scan System). Esse programa foi criado, no início dos anos 70, com o objetivo de monitorar as nuvens, sua temperatura e movimento. Após ter o primeiro satélite em órbita os cientistas responsáveis perceberam que o sensor a bordo, era capaz de detectar a iluminação artificial das cidades durante a noite. Essas imagens se posicionam dentro de um conjunto de técnicas de análise chamado Remote Sensing que, como o próprio nome indica, são feitas à distância. Apesar de fornecer imensas informações essas imagens tendem a privilegiar a luz sobre a escuridão visto que é mensurável nelas é a luz. A escuridão existe enquanto vazio e como espaço a ser explorado pela luz. Mas a escuridão não é vazia, e nela se encontra grande resistência ao capitalismo como mostram pensadores tão diversos como o xamã Yanomami Davi Kopenawa e o economista e ex-deputado constituinte do Equador Alberto Acosta.

Se pensarmos na implicação das palavras de Marlow e de sua tradução para Português na forma como vemos essa Londres iluminada de cima percebemos que a luz, que já representou o divino e a razão agora representa a idéia de desenvolvimento. Como nota o escritor nigeriano Chinua Achebe (2016) em seu ensaio sobre o romance de Conrad, na observação de Marlow sobre a luz da cidade de Londres está implícito o fato de que ali as trevas foram subjugadas. A escuridão é o que está “em desenvolvimento” ou seja, o ainda por desenvolver (ainda por iluminar). Mas como ainda encarar esse contraste dessa forma se considerarmos que estamos em uma nova era geológica, o Antropoceno, caracterizado justamente pela ação do ser humano sobre a superfície da terra? Ação, aliás, bem mapeada pela luz presente nessas imagens.


Referências


Achebe, Chinua. (2016). An Image of Africa: Racism in Conrad’s Heart of Darkness. The Massachusetts Review 57(1), 14-27. doi:10.1353/mar.2016.0003.
Acosta, Alberto. (2016). O Bem Viver: Uma Oportunidade para Imaginar Outros Mundos. São Paulo: Elefante. Conrad, Joseph. (1902). Heart of Darkness. UNKNOWN. Kindle Edition.
Didi-Huberman, Georges. (2011). A Sobrevivência dos Vaga-Lumes. Belo Horizonte: Editora UFMFG.
Kopenawa, Davi & Albert, Bruce. (2021). A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.


Bio


Tomás Ribas é artista plástico e desenhador de luz. Fez exposições individuais e coletivas no Brasil, Portugal, França, Holanda, Suécia, República Checa e Coréia do Sul. É mestre em Arte e Design para o Espaço Público pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage no Rio de Janeiro, é Bacharel em cenografia pela UniRio e fez intercâmbio na École Nationale Supérieure des Beaux-arts de Paris. Atualmente participa do programa de doutoramento em Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto como bolseiro da FCT e investigador integrado não doutorado do i2ADS (Instituto de Investigação em Arte Design e Sociedade) onde investiga sobre a utilização da luz, no capitalismo, como forma de controle social.


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