Palavras-chave: digital archive; childhood; collective memory
Participação: presencial
De uma visita em família a Manchester ficou-me a curiosidade sobre as infâncias operárias dos moinhos, das rias e das fábricas de algodão a carvão. No regresso a casa fiz uma pesquisa no arquivo fotográfico digital da cidade. Mas cometi um erro e em vez de um plural, children, escrevi um singular, child.
E em vez de múltiplas poses de grupos de crianças trabalhadoras, descobri um mundo de crianças solitárias através das ruas e das diferentes décadas da cidade.
Hoje, depois de vivermos tempos em que a palavra isolamento tomou novos contornos, volto a estas imagens para me ajudarem a pensar nos contornos da solidão na infância, no que estas fotografias me devolvem e no confinamento contemporâneo, saturado e digital.
Ao cometer um erro tipográfico, descobri outro caminho, e muitas vezes é assim que se constitui a memória, através de uma imagem outra, como neste caso.
O equívoco possibilita a construção da memória (Radstone, 2000) mas o presente investimento na aprendizagem maquinal de reconhecimento de padrões confronta-nos com a indistinção entre o ruído e a informação, modelando o ruído e encontrando padrões no aleatório, numa apofenia digital (Steyerl, 2018). Este trabalho interroga por um lado a possibilidade desviante e a surpresa de um conjunto de fotografias e pretende contribuir para um pensamento sobre o arquivo digital contemporâneo e as estruturas de poder e conhecimento.
Radstone, Susannah, ed. Memory and methodology. Bloomsbury
Publishing, 2000.
Apprich, C., Cramer, F., Hui Kyong Chun, W., & Steyerl, H. (2018).
Pattern discrimination (p. 124). meson press.
Madalena Miranda é uma cineasta e investigadora, que vive e trabalha em Lisboa. Atualmente é investigadora no ICNOVA no grupo Cultura, Mediação e Artes e é professora convidada na Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas). É doutorada em Meios Digitais, Audiovisual e Criação Interativa de Conteúdos, pela Universidade Nova, um Programa CoLab com a Universidade do Porto e a Universidade do Texas, Austin. A sua investigação prática de doutoramento, "Protest Images, Collective Portraits" (2020) inclui um protótipo de plataforma interativa para explorar modelos participativos de cinema de arquivo e montagem a partir de imagens de protesto online de movimentos sociais da era digital. Foi bolseira de doutoramento da Fundação Portuguesa para a Ciência e Tecnologia. Recentemente está envolvida em diferentes projetos de investigação, com destaque para AfricanEuropeanNarratives, um projeto financiado pela Europe for Citizens, desenvolvendo workshops participativos de literacia mediática e um documentário como resultado. Licenciou-se em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa, com especialização em Cinema e Televisão (1998) e tem um Mestrado em Antropologia pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, em Multiculturalismo e Identidades, onde também realizou um documentário - "Diário de Turma" (2009) como resultado de investigação. Estudou Realização de Documentário com Les Ateliers Varan (2004), com uma bolsa do Programa de Criatividade da Fundação Gulbenkian.