Palavras-chave: Fetiche; Objeto de Arte; Agência; Valor; Trajectórias
Participação: on-line
Entre o Templo, no escuro, no chão assente na terra, na poeira, no sagrado, no segredo, e o Museu, exposto, público, erguido do chão, iluminado, esterilizado, dessacralizado, o Fetiche passa a ser Objeto de Arte. A matéria, através das trajectórias que percorrem diferentes territórios, diferentes temporalidades e diferentes imaginários, vai sofrendo mutações através dos olhares que a contemplam, e das percepções que a compreendem: o poder mágico reconfigura-se em poder estatutário, o sobrenatural converte-se em capital, o valor sagrado transverte-se em valores económico e artístico, o Fetiche deixa de ser fetiche para ser Objecto de Arte. O imaginário da Arte como o imaginário “fetichista” partilham alguns princípios ontológicos, como a “agência”. Para compreender melhor esta aproximação, traçamos um paralelo entre o conceito de “agência” de Alfred Gell relativo aos objetos de arte, que os torna "equivalentes às pessoas " e a “agência” dos objetos fetiche, que os tornam "objetos vivos ". O poder que lhes é inerente, tanto aos objectos de arte, como aos objetos fetiche, é um poder que se autonomiza do sujeito (tanto daquele que os concebeu, como daqueles que os possuem, que os utilizam, que os ritualizam ou que os contemplam). E de uma perspectiva da Antropologia Sensitiva, conceptualizada por Joseph Tonda, nascida de um contexto africano para estudar objectos científicos africanos, podemos questionar o lado invisível da matéria, que tem o poder de se reposicionar convertendo o seu valor de origem, para o atualizar face ao contexto em que se encontra. Damos como exemplo a figura de relicário boho-a-Bwété dos kota mahogwé do Gabão, exposta no Centro Pompidou em Paris, ou o nkisi exposto no Metropolitan Art Museum de Nova Yorque, para pôr em evidencia a trajectória dos objectos e das suas mutações de valor. O valor sagrado que se reconstitui em valor económico, através do valor estético ou “artístico”. Da mesma maneira é interessante observar, que no sentido inverso, instituições religiosas como o Bwété, no Gabão, consagram o dinheiro que passa a ser objecto ritual. O dinheiro é elevado à categoria de espírito, divindade e o seu poder passa a ser comparável ao poder dos antepassados, dos espíritos da floresta, das entidades aquáticas. O dinheiro ganha poder mágico e poder sagrado.
Duarte de Almeida, F., 2020, Le Moment Rouge et l’être en
suspension. La Violence de l’Imaginaire dans le Bwété Misôkô
(Gabon), tese de doutoramento, Universidade Omar Bongo,
Libreville.
Gell, A., 1998, Art and Agency: An Anthropological Theory,
Oxford: Oxford University Press.
Tonda, J., 2015,
L’impérialisme postcolonial. Critique de la société des
éblouissements, Paris, Karthala.
Filipa Duarte de Almeida - Doutora em Antropologia (Religiões Africanas) pela Universidade Omar Bongo de Libreville, vive actualmente no Gabão onde é professora convidada no Departamento de Antropologia, e cujas áreas de investigação se focam na Antropologia Sensitiva e na Antropologia dos Imaginários. Os seus principais interesses de investigação centram-se em Africa Central, em particular no Gabão, e incidem sobre as relações entre o visível e o invisível, entre os vivos e os mortos, entre o real e o imaginário; as representações do corpo e do poder e as relações entre o corpo e os objectos; a feitiçaria e o fetichismo. Integra a equipa de investigação do Laboratório de Sociologia e Antropologia “Corps, Société et Pouvoir”, e é membro do grupo do “Séminaire Interdisciplinaire des Etudes et Recherches Africaines” (SIERA), ambos dirigidos pelo Professor Joseph Tonda, na Universidade Omar Bongo de Libreville, no Gabão.