Palavras-chave: viragem decolonial; discurso museológico; Museu de Arte do Rio; Mulheres na Coleção MAR; Casa Carioca
Participação: on-line
Na última década, no Brasil, a viragem decolonial (Maldonado-Torres, 2011) tem gradativamente estimulado uma reconfiguração discursiva do museu a partir de um pensamento crítico e de reparação. Neste sentido e referindo-se aqui especificamente ao campo da arte, os museus têm assumido a prática curatorial como um espaço de “experimentação de olhares, sentidos e saberes deixados à margem pela historiografia tradicional da arte”, bem como, de questionamento dos “regimes de inteligibilidade, visibilidade e sensorialidade” (Friques & Basbaum, 2020, p. 12) que regem as suas práticas e políticas. Assim, movidos pelas urgências sociais que marcam a nossa contemporaneidade, bem como pelo crescente debate sobre as políticas de representação e representatividade no país, outros posicionamentos emergem no sentido de se recuperar, reescrever e propor outras narrativas que levem em consideração saberes e imaginários marginalizados.
É neste contexto que se inscreve o Museu de Arte do Rio (MAR), assumido aqui como um lugar de pensamento privilegiado por ter sido criado de raiz como a possibilidade de um outro museu, atribuindo ao seu programa curatorial o papel norteador da sua institucionalidade. Ou seja, o MAR nasce propondo outros entendimentos sobre a cidade do Rio de janeiro, sobre a arte e a cultura na contemporaneidade, sobre as suas dimensões sociais, simbólicas e políticas, bem como sobre os conflitos e as contradições que lhes são inerentes. Entendimentos estes que resultam de um programa curatorial assente em processos colaborativos e epistemologias insurgentes.
Esta comunicação apresenta-se, portanto, como uma reflexão sobre a curadoria como uma prática potencialmente disruptiva que tensiona o discurso do museu e a sua estrutura epistemológica, política e processual, i.e., sobre a curadoria como um exercício radical de despensar, desdisciplinar e reeducar (Maldonado-Torres, 2014).
Para tanto, centra-se em duas recentes exposições realizadas pelo MAR, Mulheres na Coleção MAR (2018) e Casa Carioca (2020), que através de uma diversidade de olhares sensíveis e críticos, orientaram o (re) posicionamento político do Museu em relação a realidades próximas e ou que lhe são intrínsecas como as invisibilidades presentes em suas narrativas (históricas, disciplinares, institucionais) e a representação da cultura material e imaterial do seu território, particularmente, o morar ou o modo de habitar a cidade do Rio de Janeiro em todas as suas expressões, renovações e insurgências históricas (Berth, 2020, p.22).
Berth, J. (2020). Casa e corpo, lugares objetivos e subjetivos de
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Friques, M. S., & Basbaum, R. (2020). O que pode uma
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Maldonado-Torres, N. (2011). Thinking through the Decolonial
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Elisa Noronha é Doutora em Museologia e Investigadora Auxiliar no Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (CITCEM / FLUP). Desenvolve paralelamente à prática investigativa a atividade de docente dos Mestrados em Museologia da FLUP e em Estudos Museológicos e Curatoriais da Faculdade de Belas Artes da U.Porto. Desenvolve ainda um trabalho de cunho mais autoral e que atualmente se dá com a curadoria de exposições e outras produções artístico-culturais. Michelle Dona é mestre em Estudos de Arte com ênfase em teoria e crítica de arte pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Possui graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, o seu interesse de estudo transita em torno dos aspetos políticos e sociais que permeiam o ofício curatorial e a sua contribuição crítica e epistemológica no caminho de uma democratização da arte.